A Importância do Diagnóstico

Tempos atrás, como resultado de uma grave queda, minha filha sentia muita dor ao dobrar o braço. O médico a examinou, apalpou e estudou a área do cotovelo antes de, finalmente, solicitar um exame de raios-x. Baseado no que encontrou, concluiu que não havia fratura de qualquer osso e que ela apenas precisava cuidar-se por algum tempo, até que a luxação sarasse. Após uma semana, a dor continuava. Um segundo médico, depois de estudar o caso por alguns minutos, começou a apalpar o pulso de Sara, onde rapidamente descobriu um ponto dolorido, antes desconhecido. Ele havia, literalmente, colocado o dedo na verdadeira origem do problema. O cotovelo dolorido era um sintoma. Uma placa de crescimento fraturada, no pulso, era a causa. Seis semanas no gesso corrigiram o problema e evitaram as dificuldades sérias que, sem o tratamento, poderiam aparecer.

Este incidente ilustra um princípio muito importante: uma receita adequada somente pode ser prescrita após obter-se um diagnóstico correto. Isto é tão verdadeiro na esfera da vida cristã quanto na da medicina. Um diagnóstico incorreto em ambas as esferas pode ser fatal.

Os sintomas precisam ser reconhecidos e cuidadosamente analisados. Mas nunca é suficiente apenas erradicar os sintomas; suas causas de- vem ser identificadas e combatidas. Jesus estabeleceu o fundamento para este princípio em sua advertência contra os falsos profetas: “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt 7.16). Seus frutos são sintomas de sua verdadeira natureza. Maus frutos indicam uma árvore má; bons frutos indicam uma árvore boa (Lc 6.43-45). Uma árvore má não se torna boa simplesmente por colhermos seus frutos maus.

Tanto o médico quanto o pastor estão envolvidos no trabalho de diagnosticar e receitar. Reconhecendo isto, a descrição dos puritanos a respeito do pastor, chamando-o de “um médico da alma”, é muito apropriada. Assim como qualquer médico respeitado trabalhará para tornar-se cada vez mais habilitado na prática da medicina, a fim de promover a saúde física, assim também o pastor deve ser diligente no ministério da Palavra, a fim de promover a saúde espiritual (2 Tm 2.15).

No cenário da igreja contemporânea, talvez não haja maior necessidade do que um diagnóstico adequado de alguns sintomas perturbadores. O evangelicalismo está se tornando cada vez mais enigmático. Quanto mais as igrejas evangélicas se multiplicam e crescem, aparentemente tanto mais irrelevantes elas se tornam para os homens e mulheres modernos. Todos os nossos esforços, programas e estratégias não conseguem estancar a maré de imoralidade e indiferença espiritual ao nosso redor. Por que isto acontece?

Antes de sugerir respostas a esta importante pergunta, devemos primeiramente considerar dois sintomas específicos os quais indicam que a igreja evangélica moderna pode, realmente, estar com problemas sérios.

O Sintoma da Membresia sem Significado

Um indicador óbvio é a falta de comprometimento da maioria dos membros de nossas igrejas. William Pinson Jr. chama este sintoma de “Membresia sem Significado”.

No início do século XX, Elton Trueblood observou: “A principal razão por que a igreja como a conhecemos agora não é mais eficaz consiste do fato de que ser membro dela tornou-se quase sem significado”.

Ele concluiu, em seguida: “Ser membro de igreja, em grande par- te, agora acontece somente no papel”. A situação não melhorou no final do século XX. Um número significativo daqueles que são contados como membros de igreja nunca assistem os cultos, nunca participam da vida de sua igreja e não contribuem para seu ministério. Esse tipo de membresia não tem significado.

Várias soluções têm sido prescritas em resposta a esta situação. As mais prevalecentes são as que simplesmente propõem ignorarmos o problema, na esperança de que este realmente não seja tão significativo. “É somente uma pequena dor no peito — provavelmente, nada com que devemos nos preocupar”. Construiu-se uma nova categoria teológica, completamente não-bíblica, para justificar esse tipo de atitude. Refiro-me à teoria do “Crente Carnal”, que foi popularizada em livretes e panfletos. Essa teoria ensina que alguns crentes simplesmente não são “espirituais”, e, portanto, não podemos esperar que façam coisas espirituais, tais como ir à igreja, orar, contribuir, ter comunhão com os crentes ou crescer na graça. Com certeza, perderão algumas recompensas no céu, mas, “pelo menos, estão salvos!”

Essa teoria tranqüiliza a consciência de muitas igrejas e seus líderes, por verem seus “membros de rol” como pessoas que estão no caminho do céu. Sem dúvida, tais membros deveriam ser encorajados a tornarem-se “espirituais”; porém, ainda que nunca o façam (assim prossegue o raciocínio), pelo menos o destino deles está assegurado.

Esta receita que sugere nada fazermos em resposta a membros inativos falha terrivelmente pela simples razão de diagnosticar o problema de maneira completamente errada. A ampla falta de comprometimento entre os membros da igreja é sintoma de uma incorreta doutrina da salvação, na igreja. Perguntas específicas precisam ser feitas e respondidas, perguntas tão básicas que são freqüentemente despercebidas e admitidas como óbvias: O que significa ser um crente (isto é, como ele age; como reage a situações, quais seus desejos e interesses espirituais, etc.)? Como podemos nos tornar crentes? Em que consiste a fé que salva e como ela se expressa?

Se estas perguntas forem consideradas à luz das Escrituras e se permitirmos que o impacto total das respostas instrua nossa doutrina de salvação, surgirá uma nova avaliação dos membros de igreja completamente inativos. Torna-se impossível negar a forte probabilidade de que muitos daqueles que apenas têm seus nomes no rol de membros das igrejas jamais foram verdadeiramente convertidos. Esta conclusão demanda uma reavaliação das estratégias evangelísticas que inicialmente colocaram tais pessoas no rol de membros. Uma renovação bíblica do evangelismo, tanto em seu conteúdo como em sua metodologia, será apropriada.

Se a enfermidade tem de ser efetivamente enfrentada, sua causa fundamental precisa ser revelada. O primeiro passo para curar a doença da ampla inatividade entre os membros de igreja é retornar a padrões mais bíblicos de evangelismo e discipulado.

O Sintoma de um Culto Fraco

Outro sintoma de enfermidade eclesiástica é o culto fraco. Esta área da vida da igreja tem recebido atenção cada vez maior dos líderes de igreja em anos recentes. A última década presenciou a publicação de numerosos artigos e livros sobre o assunto. “Ritualístico”, “não-atrativo”, “enfadonho”, “monótono” e “não-inspirador” são alguns dos termos que têm sido usados para descrever os cultos das igrejas evangélicas.

Freqüentemente, esses cultos parecem ser mal planejados e realizados de maneira irrefletida. O foco não está em Deus (assim como a adoração nas Escrituras claramente sempre está), e sim no homem. A Palavra de Deus é neglicenciada, e os adoradores com freqüência estão mais preocupados com o que poderão ganhar do culto do que com o que deverão oferecer a ele. Para muitos membros de igreja, o culto tornou-se opcional e a freqüência está fundamentada na conveniência.

Muitas receitas estão sendo sugeridas em resposta ao sintoma do culto fraco. A liderança de uma denominação evangélica desencadeou uma ênfase no completo enriquecimento e freqüência ao culto, intitulada “Vamos Todos à Igreja”. Entre outras coisas, esta ênfase foi idealizada para ajudar as igrejas a focalizarem-se na importância do culto, enquanto procuram implementar mudanças nos cultos das igrejas.

Algumas das propostas que estão sendo feitas hoje para tornar o culto relevante chegam ao ridículo. Um grupo de igrejas sugeriu que o culto seria melhorado trocando-se as lâmpadas brancas do auditório por lâmpadas cor-de-rosa. Outras sugestões incluem: formar um conjunto musical, acrescentar uma orquestra, comprar um teclado eletrônico, utilizar audiovisuais e remover o púlpito. Nada está inerentemente errado nessas idéias. O problema é que todas elas erram no que se refere ao assunto principal. O culto não é uma simples atitude; é um encontro. Quando os crentes, conscientemente entrarem na presença de Deus — não importa a cor das lâmpadas —, eles O louvarão.

Os atuais especialistas em crescimento de igreja falam a respeito de tornar o culto “amigável”, isto é, atrativo e não-ameaçador, para os incrédulos. Se esta afirmativa significa que deveremos fazer o possível para cativar a amizade dos incrédulos e tornar-lhes conveniente sua freqüência aos cultos (isto é, fornecendo-lhes instruções claras, mantendo em bom estado as acomodações da igreja e as instalações, limpas, etc.), então ninguém deve protestar. No entanto, as propostas específicas feitas por muitos especialistas em crescimento de igrejas claramente demonstram que eles não têm isso em mente.

Pelo contrário, a filosofia que advoga este novo esforço para desenvolver o “culto amigável” é simplesmente esta: descubra o que as pessoas não-convertidas gostam e ofereça-lhes nos seus cultos de adoração. Se gostam de música popular, use-a. Se preferem música “Country”, mude para este o estilo de música de sua igreja. Além disso, visto que estamos entrincheirados na era da televisão, assegure-se de que o culto seja movimentado e tenha muita variedade. Inevitavelmente, esta filosofia leva o culto a ser uma ocasião de entretenimento. A congregação se torna um auditório. Os dirigentes do louvor se tornam atores em um palco, e o culto, um espetáculo.

Neste cenário, o remédio proposto é mais fatal do que a enfermidade. Mais uma vez, o problema é o diagnóstico errado. Culto fraco é um sintoma de uma teologia inadequada. Especificamente, retrata uma visão deficiente de Deus e uma incompreensão da essência e do fundamento da própria adoração.

O louvor de Isaías estava longe de ser enfadonho ou ineficaz. Quando ele reconheceu que estava na presença do Deus três vezes santo, poderia somente adorar. Humilhou-se, e confessou o seu pecado; recebeu o perdão e ofereceu-se para servi-Lo(Is 6).

Paulo demonstrou o fundamento da adoração eficaz em Efésios 1.3-14. O que o levou a explodir em adoração e louvor a Deus? Mesmo uma leitura superficial desses versículos mostra a resposta. O fundamento da verdadeira adoração é a consciência e a consideração do caráter e das obras de Deus. Ele deve ser “bendito” porque é o “Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, que nos tem abençoado com toda sorte de bênção espiritual” (v.3).

Três vezes, nesses versículos, Paulo expressou louvor em conexão com a glória de Deus (vv. 6, 12, 14). Em cada instância, ele estava contemplando um aspecto de nossa salvação trinitária. Deus, o Pai, nos elegeu “para louvor da glória de sua graça”. Deus, o Filho, nos redimiu “a fim de sermos para louvor da sua glória”. Deus, o Espírito Santo, nos selou “em louvor da sua glória”.

Que sugerem esses versículos? Exatamente isso: nosso culto se tornará importante para nós, ao contemplarmos e crescermos em nossa habilidade de compreender a majestade de nosso Deus triúno, em sua pessoa e obras. Se, nas palavras de J. B. Phillips, “seu Deus é pequeno demais”, é inevitável que sua adoração será deficiente. Em mui- tas igrejas de nossos dias, o “deus” que está sendo pregado é tão humano, que não é digno de louvor (Sl 50.21).

Mecanismos, formas, estilos têm seu devido lugar, mas a substância do culto tem de ser centralizada em Deus — o Deus das Escrituras.

O Diagnóstico e a Receita

Então, por que a igreja evangélica está demonstrando tão pouco impacto sobre os homens e as mulheres de nossa sociedade? Falta de programas? Ela não é suficiente- mente moderna? É pobre em marketing? Não. O problema é mais simples do que qualquer destes. Em muitos pontos cruciais, perdemos nossos alicerces espirituais e doutrinários. Procuramos substituir o genuíno poder espiritual por métodos de homens.

Por um lado, o que necessitamos está além de nosso alcance. Precisamos de uma nova visitação do poder do Espírito em nosso culto e nosso evangelismo. Isso está além de nosso alcance, mas não além de nossas orações.

Por outro lado, o que precisamos está ao nosso alcance. No findar do século XX, a igreja evangélica está em desesperada necessidade de uma reforma bíblica e teológica. Precisamos voltar aos princípios bíblicos básicos, princípios históricos, princípios que serviram ao evangelicalismo em seus anos de formação. Necessitamos de uma reforma, tanto em nossa fé como em nossa prática.

Alguns dos filhos de Issacar foram descritos como homens “conhecedores da época, para saberem o que Israel devia fazer” (1 Cr 12.32). Tinham a receita eficaz, porque fizeram um diagnóstico exato dos dias em que viviam. Deus levante mais filhos de Issacar que, entendendo corretamente os sintomas que se tornam evidentes, sejam hábeis em prescrever remédios bíblicos para nossas igrejas, ao enfrentarem o século XXI.

Por Thomas K. Ascol
Fonte: Editora Fiel